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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O Direito à Vida contra o Estado da Morte.

       É triste e aterrador, mas senti na própria pele durante 2010. Acometido de Leucemia, estive muito próximo de atravessar a fronteira com o outro mundo.  O prognóstico inicial era de que não teria mais do que seis meses. Mas, beneficiado pela lei das probabilidades ou a teoria da incerteza de Heisenberg, ou sei lá o que, passei no teste inicial e, com o tratamento, permaneço sorridente no mundo dos vivos, com uma Mielodisplasia controlada com um novo medicamento. Houve remissão completa da doença. Muitos rezam para que não retorne (Deus, quantos amigos descobri!). Contudo, apareceu uma dor que não imaginava que houvesse: a negativa dos governos, seja federal ou estadual, para fornecer os medicamentos. Pelo fato de serem caros, praticamente todos os acometidos de câncer ou outras doenças graves são obrigados à ações na justiça para terem acesso a eles. É um drama cuja intensidade não se pode demonstrar, somente vivendo-o. Pior do que a pior das ofensas, pior do que um bofetão no rosto, pior do que o pior dos sentimentos de desmoralização: você se sente um verme, uma barata que alguém vai pisar em cima. Tudo inicia com um processo administrativo: você solicita a medicação conforme prescreve o médico. Depois...nada. Não respondem, não dizem sim e não dizem não. Você internado, sem saber se vai viver ou morrer, teus familiares correndo aqui e ali, perdidos numa burocracia tão horrível quanto as próprias doenças. São centenas de pessoas em cada estado. Alguns morrem mais cedo, a ignorância sobre os direitos não lhes deu tempo para descobrir o caminho da justiça. Outros, como eu, cansados de esperar pelo sim ou pelo não oficiais, decidem constituir o seu Advogado e partir para a luta jurídica, quando finalmente tudo começa a acontecer. Que drama meus amigos!!! Quantas pessoas sofrem por um tipo de repressão de Estado tão cruel como nas sangrentas ditaduras. É como se o Estado dissesse: você é caro demais, morra!! Não há recursos suficientes para a saúde, morra!! O Estado deve fazer opções, então você morre para que os recursos economizados com o teu caro medicamento possam ser utilizados para beneficiar mais pessoas, ao invés de uma. É a contabilidade da morte: mate um em benefício de 30. Uma mentira tão absurda que não ha, para mim, outra explicação senão a do fato que que nossas vidas não valem nada. Um doente é um estorvo, alguém que atrapalha. Fosse o Estado uma instituição republicana de fato, cada vida seria preservada a qualquer custo, não haveria a absurda necessidade de se apelar aos juízes para a obtenção de medicamentos, tampouco implorar nos orgãos burocráticos da saúde. Fosse o Estado Republicano...Revoltante, também, é o desrespeito às leis pelo próprio Estado: não destinam à saúde o que a constituição determina. Por outro lado, os burocratas não procuram alternativas para o barateamento dos caros remédios, através da importação ou produção direta, despendendo altas somas para comerciantes e distribuidores que faturam alto com a desgraça alheia. São medicamentos de uso contínuo, note bem.
          Enquanto nada acontece, gritamos com a escrita, esperando que cada palavra possa, num dado momento, detonar um processo de sensibilização que inicie as mudanças, que se veja a vida como a prioridade de tudo.
           Revoltante: no país da corrupção impune, das mordomias e privilégios, do desrespeito à lei pelos próprios governantes, de obras inúteis, do desperdício, dos cartões corporativos vergonhosos, imaginamos quanto recurso é jogado fora. O mesmo que não chega a pessoas como nós, que a cada mes imploram para terem o direito de continuar vivendo.
            Quanto vale a nossa vida?
            É legítimo que o Estado continue a decretar a morte, sob a falsa alegação da insuficiência de recursos?
            Com licença, devo falar com  meu Advogado. Hoje começa, novamente, a via sacra para a obtenção do medicamento para o próximo mes. 
             Vivo de trinta em trinta dias. 
              Mas não matarão meu humor. 


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