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sábado, 2 de abril de 2011

Doentes Privilegiados

          Após assistir ao Globo Reporter de ontem (1º de abril), cheguei à uma conclusão: qualquer doente que consiga assistência médica é um privilegiado. Digo por experiência própria. Há uma semana luto contra a burocracia do IPÊ (o instituto de assistência médica do RS) para continuar meu tratamento. Primeiro negam os remédios (por que são caros) depois negam o uso de ambulatório (a gente acaba se internando) e por fim suspendem tudo, não dizendo das razões. "Parece que foi a auditoria", mas negam-se a informar ao paciente dos motivos. Daí vem o agravamento do emocional, você fica indignado pois descobre que não passa de um número para os que administram o sistema. Não adianta alegar que está em tratamento que não pode ser interrompido, sob risco de agravar a situação. Os tempos são os tempos da burocracia, entravada pelas pendengas com os médicos e hospitais. Junto com o amontoado de "normas" e "procedimentos", necessários mas penalizadores: quando alguma interpretação entende haver alguma irregularidade, a mesma não é corrigida, mas o paciente castigado pela suspensão de tudo. Dane-se, morra, não importa a gravidade, é preciso administrar como uma empresa qualquer, reduzindo custos e ganhando tempo para executar o orçamento. Você se submete e solicita informações que não te dão. Nem sabe quando terá alguma resposta, é o "cozimento em banho maria". Mentem, às vezes, dizendo que enviarão por escrito pelo correio. Nunca chega. É assim que tratam da vida das pessoas. Mas, confesso, sou um privilegiado e resignado após assistir ao programa de ontem. Pobre povo brasileiro, sem dinheiro morre mais cedo enquanto o Governo não decide e não resolve o que realmente é prioritário: a vida ou as obras. Enquanto, tembém, não termina essa briga entre os interesses privados e as públicos na saúde. Muito do péssimo atendimento e desperdício de recursos é patrocinado por grupos interessados em desmantelar a estrutura pública para abrir mercado ao privado. Há criminosos em toda parte. Não é opinião minha, são testemunhos de médicos que vivenciam o cotidiano dos hospitais e postos de saúde. Equipamentos quebrados, sem manutenção, remédios vencidos, sumiço de instrumentos, há de tudo, confirmando que a gestão em muitos lugares torna o sistema mais caro para todos nós. Então é assim: inventam um imposto (CPMF) para resolver a saúde, usam para outros rombos e deixam as pessoas morrendo. Extinguem o imposto e aumentam outro, arrecadando muito mais (IOF) e continua na mesma. Não é mais problema de recursos, mas de definições públicoxprivadas, gestão (com verdadeiras auditorias) e PRIORIDADES. Se há bilhões para a copa, as olimpíadas, o trem-bala, caças etc., isso fica comprovado. Como os índices de aprovação do governo são altos, então pecamos por igual: aprovamos por que não exigimos a solução do problema. Recebo isso como uma espécie de autofagia social: o hábito com os males acaba com a sua aceitação de forma resignada. Quem não está doente, não necessita de atendimento de qualquer natureza, não fica sensibilizado com o problema dos outros. É o comportamento normal. Isso explica, também, os burocratas: não estão nem aí para problemas que estão fora dos gráficos dos indicadores de gestão. Assim como nos AAA, onde um ampara o outro, fiquei deprimido com o que vi, até me recuperar e pensar: o que podemos fazer além de pedir que a "política" encaminhe de vez a questão, como em outros países? Não é utopia, é plenamente possível. Às vezes um fato age como um estopim e rebenta com tudo, resolvendo. Algo como uma criança que cai num poço e emociona o mundo. Eu sonho com um sistema de saúde que respeite a vida dos brasileiros, como sonho que o mesmo aconteça em toda parte. Que a vida dos cidadãos não seja decidida pelos números, mas assimilada como um valor universal: colocada como prioridade, onde quer que seja. Nem sei quanto mais poderei viver, mas confesso a vocês que sinto-me, como disse, privilegiado: essa tortura que me impõem eu acabo resolvendo com meus amigos que me amparam, me defendem, entram na justiça para garantir o que me negam. Já estou acostumado. Caros Luís Augusto Lebsa e Marcelo Uchoa: obrigado pelo vosso silêncio, eu o compreendo. Há um sistema que lhes submete, tanto quanto a mim como paciente.
É A VIDA!
( na noite passada sonhei que todos levantaram das suas cadeiras e tornaram-se proativos na busca de soluções).

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